sexta-feira, 24 de março de 2017

Diário de viagem 27/02 a 04/03

Diário de viagem dia 27/02 a 04/03

Chuva no deserto mais árido do planeta.

 O deserto do Atacama é a região mais Árida do planeta, mas também é de uma extensão muito grande e em algumas partes dessa grande extensão não chove a muitos anos, digo muitos mesmo, mais de 100 anos, mas em outras regiões chove e essa chuva vem do inverno altiplano que é mais comum chover na Bolívia, mas para minha infelicidade nessa data que cheguei aqui em Calama a chuva também chegou em San Pedro de Atacama.
Logo no primeiro dia que cheguei aqui em Calama conheci Aldo, um Chileno que viveu no Brasil e agora tem uma empresa de turismo, ele me alertou sobre as chuvas e que a estrada até San Pedro estava fechada, por sorte consegui ficar na sua casa, dia seguinte sai para ir até San Pedro, o tempo fechado me fez desistir e começou a minha saga de desistir de conhecer o povo e as belezas do deserto e seguir em segurança ou me arriscar e ir contra o conselho dos bombeiros e de quem entende e sempre viveu na região, estava em uma séria dúvida até que indo para casa de Aldo ouvi na rádio local que tinha 19 pessoas desaparecidas por causa das chuvas, é eu não pretendo ser mais um nessa estatísticas, então decidi não conhecer San Pedro de Atacama, um dos motivos é minha segurança e outro motivo é que o clima lá não está dos melhores clima das chuvas e o astral do povo, afinal 19 pessoas desapareceram e as buscas estão mobilizando bombeiros e moradores da região.
 Conversei com algumas pessoas sobre essa condição instável do tempo e com algumas pessoas que passaram recentemente pela região entre elas com o meu amigo Mala, ele fez um outro caminho pavimentado mais ao norte de Calama e me informa que na época a estrada estava em boas condições, mas no entanto era antes do inverno do altiplano, tive a tarde e a noite toda para pensar nas condições e opções e como Aldo me falou: Deus vai me mostrar qual é melhor escolha para fazer.
 Fiquei pela cidade, a tarde fui conhecer um pouco da cidade de Calama, aproveito para ir no parque Loa, ali passa um rio que se forma nessa época com as águas que vem da Cordilheira, muitas pessoas também param lá para ver e todos estão admirados com a força da água, aproveito e converso com algumas dessas pessoas e todas me falam a mesma coisa que não devo seguir pedalando pelo caminho que vai por San Pedro de Atacama, fico sem saber oque fazer.
 Esses dias aqui em Calama sem fazer nada me deu a possibilidade de rever as fotos que tenho nos cartões de memória,  cada foto uma lembrança boa, nessas fotos revejo e relembro muitos momentos vividos com amigos em churrascos, conversas de bar, passeios de bicicleta, muitas fotos de viagem e é nessa hora que me dou conta como sou felizardo em me dar esse presente que é conhecer lugares, culturas e o melhor de tudo, conhecer pessoas com quem eu sempre compartilhei histórias por onde passei. Dentre tantas fotos algumas me fazem escorrer algumas lágrimas, inclusive agora enquanto digito, as fotos que me refiro são da minha avó Lucilda, ela sentada na sua cadeira na área de casa costurando, uma foto preto e branco que adoro, uma das poucas fotos que tenho dela, nessa hora percebo que aquela "veinha" faz falta, e esse é um dos motivos que peço para meus amigos dar notícias a ela. Outras duas fotos que me causam boas lembranças são do meu avô, nem sabia que tinha essas fotos, mas tenho a recordação da última vez que levei ele ver suas lavouras, ele sentado no banco do carrona com seu cilindro de oxigênio em meio a suas pernas, me vem a tona o quanto ele ficou feliz em ter saído de casa depois de muito tempo só sentado por motivos de saúde, nessas fotos posso rever seu sorriso.
Depois de cinco dias em Calama acompanhando as Previsões de chuva enfim vejo que terá uma janela de três dias de tempo bom em Ollague, cidade que faz fronteira com a Bolívia, então é hora de partir.
Saio de Calama as 6 h da madrugada, parti olhando as estrelas e após uma hora acompanho o sol aparecendo por de trás das montanhas, logo com seus primeiros raios de luz já vejo vários vulcões com seus picos nevados, isso me dá um ânimo para seguir pedalando.
 A cidade de Calama está situada a mais ou menos 2300 metros de altitude, aqui já senti alguns sintomas do ar um pouco rarefeito, tive sangramento no nariz dois dias senti um pouco de dor de cabeça e isso não é nada comum para mim. No entanto em 198 km de Calama a Ollague eu irei subir 1300 metros de altitude, isso quer dizer que em 200 kms eu só irei subir, e foi o que aconteceu subidas longas, intermináveis, sempre subidas.
 Conforme o oxigênio vai diminuindo o corpo vai padecendo, isso por que estou fazendo uma atividade física no extremo do meu corpo. Pedalo uns 5 km e tenho que parar para descansar, mais alguns km e paro outra vez, assim vou indo, devagar e parando para oxigenar os músculos e o cérebro. Faço meu almoço com o sol a pino, sem nada de sombra para me abrigar,  após o almoço encontrei um lugar onde escorar a bicicleta, na sombra de um alforge protejo minha cabeça do sol e tiro um cochilo, ali mesmo na beira da rodovia, depois disso encontrei uma família de cariocas, o primeiro carro passou por mim tirando fotos e acenei, olho a placa e é do Brasil, logo atrás vem um camioneta, também tirando fotos, falei que sou brasileiro, já pararam e tiraram muitas fotos do cicloturista que pedalava só em um deserto, ganhei de presente água, água do Brasil, sério gente até a nossa água  é melhor quando se está a muito tempo fora de casa, de quebra ganhei lugar para ficar quando retornar para o Brasil. No primeiro dia consegui pedalar apenas 85 km, meu corpo não aguentava mais, as 16 h da tarde já estava armando acampamento no meio do deserto, entro na barraca e faz muito calor, tiro a roupa e durmo por umas duas horas, acordo, faço um lanche e vejo o sol se pôr novamente por de trás das montanhas de onde são extraídos minérios, entre eles o mais encontrado é o cobre.
 Durante a noite no deserto acordo algumas vezes, olho pra fora da barraca e vejo o céu estrelado mas não tenho ânimo para sair fotografar as estrelas, o frio é intenso, acredito que deveria estar uns 6°c. Durante a noite também tenho a impressão de ouvir pessoas conversando, claro que não tenho coragem para abrir a barraca e olhar, simplesmente passo a mão no facão que toda noite está do meu lado e presto a atenção e fico atento, mas isso deve ter sido sintoma do cansaço e da falta de oxigênio, a mente parece ficar um pouco confusa as vezes.
 Amanheceu o dia, acordo mas não saio do saco de dormir, tomo meu café da manhã ali mesmo dentro do saco de dormir, espero o sol pegar na barraca para secar e poder guardar. Pronto 9 h da manhã é hora de pegar estrada, logo nos primeiros quilômetros o corpo já fica cansado, paro, respiro fundo algumas vezes e volto a pedalar, assim foi durante o dia todo, algumas vezes fico tonto a ponto de ter que parar e apoiar os pés no chão, a dor de cabeça me acompanhou a tarde toda, mas não poderia me dar o luxo de parar e acampar, tinha que chegar em Ollague no mesmo dia, afinal as Previsões de chuva marcam muita chuva para daqui dois dias. Pedalando e parando eu segui pela Ruta 21, entre salinas e lagoas fui sofrendo com a altitude mas enfim cheguei na cidade de Ollague e a primeira coisa que fiz foi procurar um posto de saúde para aferir a pressão, mas o enfermeiro ou sei lá quem era disse para eu sentar e descansar, pronto ele não queria aferir a pressão mesmo.
 Ollague é uma cidade também de mineração, aqui tem uma estação ferroviária, e nessa estação existe alguns vagões estragados, advinha quem olhou para um deles e pensou: Esse vagão vai ser minha casa hoje!
 A cidade deve ter menos de 400 pessoas, acho que encontrei 10 delas nas ruas, entre elas um senhor que pedi informações sobre algum armazém para comprar algo para comer, e advinha, tudo fechado, mas a parte boa é que ele me deu muita água, peguei uns 5 litros de água. Quando estava pedalando para dar mais uma olhada no meu vagão avistei um armazém aberto, fiquei feliz com aquela imagem, vou até lá e compro biscoitos e uma caixa de leite, o leite é para brindar comigo mesmo os 31 dias dentro do território Chileno, ou também pode ser por que amanhã entrarei no território Boliviano.
 Digo amanhã entrarei em território Boliviano por que estou digitando isso em minha Casa Vagão, um lugar que me protege de boa parte dos fortes ventos que fazem aqui na cidade, mas agora com o sol já se pondo a temperatura vai caindo rapidamente, a previsão para hoje aqui é 5°c, bom pra dormir com duas calças, casaco, touca em um saco de dormir.









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